domingo, 30 de janeiro de 2011

Por que os Estados Unidos temem democracia no mundo árabe





Por: Viomundo (www.viomundo.com.br)

por Luiz Carlos Azenha

Vamos começar deixando de lado a ideia de que o que se passa no mundo árabe é uma revolução do twitter, do facebook, da Al Jazeera ou das mídias sociais.

O Vinicius Torres Freire acertou, na Folha. “De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones”, escreveu ele.

Voltarei ao tema.

Vinicius acerta de novo, mais adiante, quando toca no ponto central: os milhões de jovens desempregados e sem perspectivas de vida que vivem no mundo árabe.

Não tenho muita experiência de reportagens na região, a não ser por algumas semanas trabalhando no Iraque, na Jordânia e no Marrocos.

Em todos esses lugares testemunhei a frustração dos jovens árabes (na periferia de Casablanca, no Marrocos, fui a uma favela cercada de altos muros brancos, onde a pobreza era devastadora mesmo pelos padrões africanos).

Nunca me esqueço do desabafo de um jovem palestino, morador de Amã, na Jordânia, sobre o drama pessoal que enfrentava: a falta de condições para pagar o dote, casar e conseguir morar com a esposa em endereço próprio.

São esses dramas pessoais, multiplicados por milhões, que movem hoje o que se costuma chamar de “rua árabe”. Dramas que se desenrolam diante de governos autoritários, corruptos e completamente desligados da realidade das ruas.

Aí, sim, é preciso notar o impacto das tecnologias da informação, mas muito mais da telefonia celular e da TV via satélite do que propriamente das mídias sociais, muito embora as lanhouses fervilhem em quase todas as grandes cidades do mundo árabe.

Depois de um rápido processo de urbanização, a frustração dos jovens árabes agora se dá num cenário em que eles são expostos diariamente aos objetos de consumo e ao padrão de vida que “recebem” via satélite, especialmente nos intervalos das transmissões de futebol europeu (no norte da África há mais torcedores do Manchester United do que no Reino Unido, por exemplo).

Washington sustenta o governo egípcio à base de cerca de 5 bilhões de dólares anuais.

É muito pouco provável que o governo Obama vá além de declarações vazias a respeito do governo ditatorial de Hosni Mubarak, ou de “platitudes” em defesa da liberdade de expressão da população.

A reticência dos Estados Unidos — e de todos os governos ocidentais — em relação ao Egito tem relação com o fato de que qualquer democratização para valer dos países árabes aumentará o poder dos partidos islâmicos (a Irmandade Islâmica, por exemplo, no Egito).

Foi prometendo combater a corrupção e promovendo serviços sociais que o Hamas e o Hizbollah ganharam legitimidade respectivamente em Gaza e no Líbano.

Notem, nas próximas horas, como os governos ocidentais vão enfatizar a necessidade de “preservar a estabilidade” e a “segurança” dos governos árabes que estão na defensiva.

Democracia nos países árabes resultaria em governos menos submissos aos Estados Unidos, mais “antenados” com as ruas e, portanto, muito mais agressivos em defesa dos direitos e dos interesses dos palestinos — para não falar em defesa de seus próprios interesses.

Será muito curioso observar, nos próximos dias, a dança hipócrita dos que defendem apaixonadamente a democracia no Irã mas se esquecem de fazer o mesmo quando se trata do Egito. Inclusive no Brasil.

PS do Viomundo: Vamos ver se o governo Obama deixa de fornecer gás lacrimogêneo e outros equipamentos de “segurança” ao governo Mubarak, por exemplo.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Emir Sader: Prostíbulos do capitalismo

 

Blog do Emir Sader

Nesses territórios se praticam todos os tipos de atividade econômica que seriam ilegais em outros países, captando e limpando somas milionárias de negócios como o comércio de armamentos, do narcotráfico e de outras atividades similares.

Os paraísos fiscais, que devem somar um total entre 60 e 90 no mundo, são micro-territórios ou Estados com legislações fiscais frouxas ou mesmo inexistentes. Uma das suas características comuns é a prática do recebimento ilimitado e anônimo de capitais. São países que comercializam sua soberania oferecendo um regime legislativo e fiscal favorável aos detentores de capitais, qualquer que seja sua origem. Seu funcionamento é simples: vários bancos recebem dinheiro do mundo inteiro e de qualquer pessoa que, com custos bancários baixos, comparados com as médias praticadas por outros bancos em outros lugares.

Eles têm um papel central no universo das finanças negras, isto é, dos capitais originados de atividades ilícitas e criminosas. Máfias e políticos corruptos são frequentadores assíduos desses territórios. Segundo o FMI, a limpeza de dinheiro representa entre 2 e 5% foi PIB mundial e a metade dos fluxos de capitais internacionais transita ou reside nesses Estados, entre 600 bilhões e 1 trilhão e 500 bilhões de dólares sujos circulam por aí.

O numero de paraísos fiscais explodiu com a desregulamentação financeira promovida pelo neoliberalismo. As inovações tecnológicas e a constante invenção de novos produtos financeiros que escapam a qualquer regulamentação aceleraram esse fenômeno.

Tráfico de armas, empresas de mercenários, droga, prostituição, corrupção, assaltos, sequestros, contrabando, etc., são as fontes que alimentam esses Estados e a mecanismo de limpeza de dinheiro.

Um ministro da economia da Suíça – dos maiores e mais conhecidos paraísos – declarou em uma visita a Paris, defendendo o segredo bancário, chave para esses fenômenos: “Para nós, este reflete uma concepção filosófica da relação entre o Estado e o indivíduo.” E acrescentou que as contas secretas representam 11% do valor agregado bruto criado na Suíça.

Em um país como Liechtenstein, a taxa máxima de imposto sobre a renda é de 18% e o sobre a fortuna inferior a 0,1%. Ele se especializa em abrigar sociedades holdings e as transferências financeiras ou depósitos bancários.

Uma sociedade sem segredo bancário, em que todos soubessem o que cada um ganha – poderia ser chamado de paraíso. Mas é o contrário, porque se trata de paraísos para os capitais ilegais, originários do narcotráfico, do comercio de armamento, da corrupção.

Existem, são conhecidos, quase ninguém tem coragem de defendê-los, mas eles sobrevivem e se expandem, porque são como os prostíbulos – ilegais, mas indispensáveis para a sobrevivência de instituições falidas, que tem nesses espaços os complementos indispensáveis à sua existência.

Blog do Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo