quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Teles ameaçam ir à Justiça contra banda larga estatal

FOLHA DE SÃO PAULO:

Minuta de decreto presidencial que autoriza a Telebrás a oferecer o serviço provocou protestos

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

A minuta do decreto presidencial que autoriza a Telebrás a oferecer acesso à internet para a população que mora em locais não atendidos pelo setor privado ou com preços muito acima dos praticados nas capitais provocou forte reação das companhias telefônicas.
Nos bastidores, as empresas ameaçam ir à Justiça para impedir que a estatal -que deveria ter sido liquidada no final dos anos 90, mas sobrevive como fornecedora de mão de obra à Anatel- passe a competir com as operadoras privadas pelo serviço de internet, onde está o futuro das telecomunicações.
""A minuta [do decreto] é uma loucura. Se for aprovada, abrirá uma crise institucional no setor, porque representa uma quebra do modelo de privatização das telecomunicações", afirmou o presidente da Abrafix (entidade que representada as operadoras de telefonia fixa), José Fernandes Pauletti.
A banda larga estatal exigirá, numa primeira etapa, investimento de R$ 1,3 bilhão. Na visão das teles, o custo de cobrir todo o país com o serviço ultrapassaria R$ 4 bilhões.
O secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, é um dos principais defensores da rede pública de banda larga, com aproveitamento das redes de fibras óticas da Petrobras e das estatais de energia elétrica.

Vazamento
Já houve várias versões do decreto. A versão final deve ser submetida ao presidente Lula no dia 10 de fevereiro.
Vazou uma versão redigida no dia 22 de dezembro, com 18 artigos. A Folha teve acesso ao documento, que circula entre executivos. Pelo texto, a Telebrás passaria a atuar como prestadora direta de serviço de telecomunicações, podendo, até, oferecer banda larga aos usuários finais.
A versão tornada pública relaciona, no artigo 6º, as seguintes atribuições para a Telebrás:
a) implementação da intranet do governo federal;
b) dar suporte a políticas públicas de conexão à internet e provimento de acesso em banda larga para universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais, postos de atendimento e telecentros;
c) prover infraestrutura a serviços prestados por empresas privadas;
d) oferecer conexão à internet a usuários finais onde não haja o serviço ou onde o preço médio de mercado seja superior em 50% ou mais ao praticado na capital mais próxima.
Pelo texto que circula, caberá à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) estabelecer a forma de cálculo do preço médio de mercado, para as velocidades de 256 Kbps, 512 Kbps e 1 mega.
A Telebrás ficaria encarregada de operar toda a infraestrutura de redes de telecomunicações da administração federal direta e indireta.
Os órgãos públicos e estatais que têm redes de uso restrito poderiam operá-las mediante contrato de cessão de uso firmado pela Telebrás.

Contradição
Para José Fernandes Pauletti, a abertura para a Telebrás oferecer banda larga a usuários finais contradiz o que vinha sendo acenado pelo governo. Segundo o executivo, as teles receiam uma concorrência desigual da estatal.
""Em igualdade de condições, se uma empresa privada for menos eficiente do que uma estatal, ela tem de ser eliminada do mapa. Mas, o que se sabe, é que as condições nunca são iguais, em termos de custo de crédito e de encargos", disse.

Grupo fabrica neurônio sem célula-tronco

FOLHA DE SÃO PAULO:

Cientistas anunciaram ontem ter conseguido fazer com que células de pele relativamente comuns fossem transformadas em neurônios, diretamente. Foi a primeira vez que um experimento criou tecido nervoso a partir de outro tipo, sem precisar revertê-lo antes a um estado primitivo, similar ao de células-tronco embrionárias.
Usando tecido cutâneo de camundongos recém-nascidos, os cientistas conseguiram manipular genes das células até que elas adquirissem características de neurônios.
Liderado por Marius Wernig, da Universidade de Stanford, o trabalho, publicado na "Nature", pode facilitar a criação de tecidos para pesquisa e, talvez, tratamentos de doenças. Sem passar pelo estágio de célula-tronco, o risco de o tecido alterado formar tumor é menor.

Estudo revela cor de penas de dino

FOLHA DE SÃO PAULO:

Pigmento celular indica que bichos tinham, no mínimo, tons negros, marrons e vermelhos no corpo

Achado derruba dúvidas sobre presença de plumas em primos das aves; função da cobertura corporal pode ficar mais clara em breve

Chuang Zhao e Lida Xing/Divulgação

Concepção artística tem dupla de dinos emplumados em ação

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu costumava dizer aos meus alunos que jamais conseguiríamos saber duas coisas sobre os dinossauros: que sons eles produziam e que cor eles tinham. Isso acaba de mudar." A frase de efeito do paleontólogo britânico Michael Benton, da Universidade de Bristol, casa bem com o anúncio dos resultados de seu mais recente trabalho: a presença de penas que iam do negro ao castanho-avermelhado em pequenos dinossauros carnívoros da China.
O que parecia um elemento irrecuperável da aparência desses bichos extintos veio à tona graças a uma análise conduzida com microscópios eletrônicos. Benton e colegas da China e da Irlanda conseguiram flagrar, nos dinossauros fossilizados, a presença de melanossomos, minúsculas estruturas celulares que funcionam como reservatório de "corantes" naturais.
Como o nome indica, os melanossomos contêm melanina, o mesmo pigmento que dá cor à pele humana. Duas versões diferentes dos melanossomos correspondem à variação que vai do preto ao castanho-avermelhado ou alaranjado, provavelmente distribuída de forma padronizada pelo corpo dos dinos e, talvez, acompanhada por outras tonalidades.
"É como se nós montássemos uma paleta básica de cores para esses dinossauros", afirmou Benton em entrevista coletiva. De quebra, a descoberta talvez ajude a derrubar uma controvérsia interminável, sobre a natureza das penas dos dinossauros chineses.

É pena ou não é pena?
Embora versões emplumadas dos bichos tenham aparecido no registro fóssil desde os anos 1990, havia quem duvidasse que as estruturas fossem penas de verdade. Para os céticos, elas não passariam de fibras de colágeno (proteína muito presente nos músculos) ou mesmo "tapetes" de bactérias que decompuseram o corpo dos falecidos dinos.
Com os melanossomos, porém, fica muito difícil contestar a natureza penácea das estruturas, afirma o artigo de Benton e companhia na revista científica "Nature" desta semana. Afinal, o grupo conseguiu resultados parecidos em cinco espécies diferentes de dinossauros chineses, alguns dos quais nem possuíam plumas, mas apenas filamentos que lembram a penugem dos pintinhos modernos. Os bichos são todos carnívoros pequenos e ágeis, com idade entre 130 milhões e 120 milhões de anos, como o Sinosauropteryx, o Beipiaosaurus e o Sinornithosaurus.
"A nossa sorte é que a melanina é uma proteína bastante durona, o que facilitou a preservação dela nas penas", diz Benton. Os melanossomos identificados pelo grupo puderam ser distinguidos pelo formato: os alongados, em forma de salsicha, representam uma forma de melanina entre o negro e o cinza, enquanto os esféricos vão do castanho ao amarelo. "Talvez seja possível identificar outros pigmentos e arranjos de melanossomos responsáveis por cores como o azul e o verde", afirma ele.
Conforme o padrão de penas e cores for ficando mais claro, a ideia é usar esses dados para saber se as plumas dos dinos não voadores os ajudavam a manter a temperatura do corpo, como a pelagem dos mamíferos, ou funcionavam como sinalizadores de status e apelo sexual, como ocorre entre os pavões. As duas coisas, claro, podem ter andado juntas.

Erros colocam em cheque previsões catastróficas sobre o clima


DER SPIEGEL


Gerald Traufetter

Primeiro, foi uma série de e-mails que levou muitos a começarem a duvidar da veracidade dos cientistas climáticos. Depois, a própria entidade da ONU teve que mudar as previsões sombrias sobre o derretimento das geleiras do Himalaia. Outras alegações também levantaram dúvidas.

A geleira Siachen é lar de uma das maiores crises do mundo. Aqui, a 6 mil metros acima do nível do mar, soldados indianos e paquistaneses se enfrentam, protegidos em posições altamente armadas.

A disputa de fronteira em andamento entre as duas potências nucleares já custou as vidas de 4 mil homens –a maioria deles por exposição ao frio.

Agora a geleira do Himalaia também está no centro de uma disputa científica. Em seu atual relatório, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que a geleira, que tem 71 quilômetros de comprimento, poderia desaparecer até 2035. Ele também prevê que outras 45 mil geleiras na mais alta cadeia de montanhas do mundo virtualmente desaparecerão até lá, com consequências drásticas para bilhões de pessoas na Ásia, cuja vida dependa da água que se origina no Himalaia. O relatório do IPCC levou ativistas ambientais a soarem o alarme a respeito de um drama que pode estar se desdobrando no “terceiro pólo do mundo”.

* 02.08.2008 - EFE

Geleira no Himalaia; erro em previsões coloca
em dúvida trabalho de cientistas sobre o clima

“Este prognóstico é, é claro, uma completa tolice”, diz John Shroder, um geólogo e especialista em geleiras da Universidade do Nebraska, em Omaha. Os resultados de sua pesquisa dizem uma história completamente diferente.

Nas últimas três décadas, o glaciólogo americano tem percorrido as montanhas majestosas da região do Himalaia, particularmente a Cordilheira Karakorum, com seus instrumentos de medição. As descobertas que ele fez não são consistentes com a avaliação do IPCC. “Apesar de muitas geleiras estarem encolhendo, outras estão estáveis e algumas estão até mesmo crescendo”, diz Shroder.

Alegação indefensável
O erro em torno das geleiras do Himalaia provocou protestos no mundo da climatologia. Alguns já estão usando o termo “Glaciergate” em referência ao escândalo em torno da alegação cientificamente indefensável no quarto levantamento do IPCC, que a entidade da ONU para o clima publica a cada cinco anos. O quarto relatório de levantamento foi publicado originalmente em 2007. Na semana passada, o IPCC retirou a afirmação errônea e pediu desculpas pelo erro.

O ministro do Meio Ambiente alemão, Nobert Röttgen, um membro da União Democrática Cristã (CDU) de centro-direita, também está irritado com o incidente. “O erro no relatório do IPCC é sério e não deveria ter ocorrido”, disse Röttgen para a “Spiegel”. “A exatidão científica é uma condição vital para a credibilidade das conclusões políticas que chegamos como resultado.” Apesar do ministro ainda ter confiança na validade geral do relatório do IPCC, ele deseja ver “uma ampla investigação sobre como o erro se originou e foi comunicado”.

Mas por que essa alegação claramente equivocada não foi notada há muito tempo por pelo menos um dos 3 mil cientistas que contribuíram para o relatório do IPCC? “O que é realmente incrível é que esse erro permaneceu sem ser corrigido por muito tempo”, diz Shroder.

Errar é humano, dizem representantes do IPCC como Ottman Edenhofer, do Instituto para Pesquisa do Impacto Climático, em Potsdam. “Nós não deveríamos questionar a credibilidade de um relatório de quase 3 mil páginas por causa de um único erro.”

Mas outros climatólogos estão pedindo por consequências. Eles insistem que o presidente do IPCC e ganhador do Nobel, Rajendra Pachauri, não é mais aceitável como chefe do painel, particularmente devido ao seu envolvimento pessoal no assunto. “Pachauri deveria renunciar, para evitar maiores danos ao IPCC”, diz o climatólogo alemão Hans von Storch. “Ele usou o argumento da suposta ameaça à geleira do Himalaia em seus esforços especiais para arrecadação de fundos para pesquisa.” Storm alega que o cientista indiano não ordenou a retratação da previsão errônea até ela gerar uma considerável pressão pública.

‘O melhor da minha capacidade’
Pachauri, por sua vez, rejeita os pedidos para que renuncie. “Eu tenho um compromisso de concluir com sucesso o 5º Relatório de Levantamento, um compromisso que certamente não estou disposto a deixar de lado”, disse o presidente do IPCC.

O drama do prognóstico começou em 1999. A teoria do desaparecimento das geleiras do Himalaia até 2035 apareceu pela primeira vez em um artigo da popular revista britânica “New Scientist”, para o qual um glaciólogo indiano, Syed Hasnain, foi entrevistado.

Na verdade, a especificação do ano 2035 foi resultado de um erro simples. Em um artigo publicado três anos antes, o glaciólogo russo Vladimir Kotlyakov de fato previu um declínio imenso da área coberta pelas geleiras, mas não até o ano 2350. “Todos os procedimentos do IPCC de revisão por pares fracassaram”, diz o geógrafo canadense Graham Cogley.

Os laços do cientista indiano Hasnain com o presidente do IPCC provocaram uma crise de relações públicas. O glaciólogo agora trabalha no Instituto de Recursos e Energia (Teri) de Nova Déli, cujo diretor é ninguém menos que Rajendra Pachauri. Isso explicaria por que Pachauri ignorou o erro no trecho do relatório do IPCC sobre o Himalaia por tanto tempo?

A previsão errônea de um fim próximo para as geleiras do Himalaia já tinha sido revelada em novembro, quando um glaciólogo que trabalhava para o ministério do meio ambiente indiano apresentou um estudo sobre as geleiras do Himalaia que chegava a conclusões completamente diferentes do que as do relatório do IPCC. Mas Pachauri rejeitou o novo estudo como sendo “ciência vodu”.

Desleixo
Em meados de janeiro, a “New Scientist” confessou seu próprio desleixo, exatamente um dia após o presidente do IPCC, Pachauri, e seu especialista em geleiras, Hasnain, anunciarem um joint venture envolvendo o Teri, a Islândia e os Estados Unidos para estudar as geleiras do Himalaia, com US$ 500 mil em fundos da Fundação Carnegie, em Nova York. “Talvez Pachauri tenha hesitado em investigar o assunto por estar tentando proteger os projetos de pesquisa sendo conduzidos por seu próprio instituto”, diz o climatólogo Storch. Pachauri, entretanto, alega que estava simplesmente ocupado demais: “Todo mundo no IPCC estava terrivelmente preocupado com o planejamento para os vários eventos que ocorreriam em Copenhague”, ele disse, se referindo ao encontro de cúpula sobre a mudança climática realizado em dezembro na capital dinamarquesa.

A Toyota, a maior fabricante de automóveis do mundo, também contribuiu com US$ 80 mil para o Teri. Na semana passada, a empresa japonesa ganhou o “Prêmio Zayed de Energia do Futuro” no valor de US$ 1,5 milhão por seu carro híbrido Prius. Pachauri era o presidente do júri, mas ele explica que suspendeu temporariamente sua presidência por causa de suas atividades de consultoria. Todavia, ele conseguiu elogiar a Toyota na cerimônia de premiação em Abu Dhabi, dizendo que a empresa merece “o maior apreço” por promover uma mudança radical na tecnologia.

Infelizmente, as dúvidas a respeito do IPCC e seu presidente surgem em um momento em que a credibilidade dos climatólogos já está sofrendo, em parte em consequência do roubo de mensagens de e-mail confidenciais escritas por cientistas, cujo conteúdo levou os críticos a alegarem que os dados foram manipulados. Apesar de nenhum desses incidentes negar as evidências que apóiam a mudança climática, os fatos deixaram de ser o foco do debate rancoroso há muito tempo. Em vez disso, ele agora gira em torno do que cada um acredita.

‘Criticar está na moda’
“A confiança na autoridade da ciência da climatologia está atualmente minada na consciência pública”, diz Roger Pielke Jr., um economista social americano e especialista em desastres naturais. O economista ambiental Richard Tol concorda, dizendo: “Criticar a pesquisa do clima está na moda”. E a revista científica britânica “Nature” alerta que os climatólogos não podem mais presumir que evidências sólidas por si só convencerão o público.

Nova munição do escândalo do e-mail
Há anos, o especialista em malária Paul Reiter, do Instituto Pasteur em Paris, critica o alerta, como está presente no terceiro relatório do IPCC, de que a mudança climática levaria à disseminação da malária, dizendo que não há evidência que apoie a alegação. Reiter acusa muitos climatólogos de verem fortemente a si mesmos como ativistas, mais interessados em disseminar uma mensagem alarmista.

Os cientistas já sentem que a segunda parte do relatório do IPCC, que trata das consequências do aquecimento global, não é tão sólida quanto a primeira parte, que lida com os fatores físicos que contribuem para a mudança climática. Isso poderia, na verdade, explicar como o prognóstico errado sobre o Himalaia ingressou no relatório. O principal autor do relatório, Murari Lal, se defende dizendo que “o derretimento das geleiras é uma ameaça tão grande para tantas pessoas” que, por esse motivo, precisava ser incluído no relatório. Segundo Reiter, o pesquisador de malária, é precisamente essa paixão que é tão perigosa para a ciência.

Os e-mails que hackers roubaram da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, em novembro passado, e divulgados pela Internet também forneceram nova munição aos críticos. Uma troca de e-mails entre responsáveis por modelos climáticos, que ocorreu no último trimestre de 1999, sugere que os cientistas eram tendenciosos.

Gráfico anormal de temperatura
A conversa envolvia a validade de uma curva de temperatura controversa. O chamado gráfico de taco de hóquei visava provar que a média global das temperaturas nos últimos mil anos nunca foi tão alta quanto a atual. Para chegar aos dados, vários grupos de pesquisadores reconstruíram as temperaturas do passado, em grande parte com base nos dados dos anéis de troncos de árvores.

Mas um gráfico divergia acentuadamente dos demais, levando a uma controvérsia na conferência que se seguiu de paleoclimatólogos na Tanzânia, em setembro de 1999. O gráfico anormal de temperatura era “um problema e uma distração/detração potencial para o ponto de vista razoavelmente de consenso que queremos mostrar”, escreveu o paleoclimatólogo Michael Mann em um e-mail, acrescentando que não queria ser aquele a permitir “aos céticos... fazer a festa”. O principal autor do capítulo do IPCC, Chris Folland, escreveu em outro e-mail que os dados divergentes “diluem significativamente a mensagem”.

Keith Briffa, cuja equipe reconstruiu o gráfico de temperatura contraditório, ficou furioso e escreveu: “Eu sei que há pressão para apresentar uma história clara e satisfatória em relação ao ‘aquecimento aparentemente sem precedente em mil anos ou mais de dados’”.

Para o relatório do IPCC que foi escrito na época, os cientistas acabaram recorrendo a uma solução dissimulada de minimizar os dados por trás do gráfico de Briffa, que mostravam as temperaturas caindo desde os anos 60: o gráfico foi simplesmente cortado em 1960 no relatório do IPCC. “Este tipo de abordagem é considerada problemática na ciência”, disse o climatólogo Storch.

Passagens controversas
O gráfico incomum de temperatura em declínio de Briffa aponta para um sério enigma que ninguém ainda conseguiu explicar: desde os anos 60, os dados nos anéis das árvores não mais refletem as mudanças de temperatura de fato. Mas por que, então, os dados nos anéis de troncos de árvores seriam válidos para períodos anteriores?

Pelo menos o quarto relatório do IPCC, publicado em 2007, discute extensamente os problemas dos dados de anéis de troncos de árvores. Mas até mesmo o relatório atual, válido, contém passagens controversas.

O capítulo 1.3.8, por exemplo, contém uma discussão sobre uma possível relação entre a mudança climática e a maior incidência de desastres naturais, que, após o furacão Katrina nos Estados Unidos, se transformou em uma questão politicamente carregada.

No relatório do IPCC, os danos associados a esses eventos “apresentam grande probabilidade de aumentar devido a maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos”. O relatório cita como evidência um estudo que supostamente demonstra precisamente esta tendência.

O único problema é que o estudo em questão não foi submetido a revisão externa por pares antes do relatório do IPCC ser divulgado. Isso foi feito posteriormente e as conclusões são surpreendentes: “Nós encontramos evidência insuficiente para alegar um relacionamento estatístico entre o aumento global das temperaturas e perdas por catástrofes”, diz o relatório publicado no compêndio “Extremos do Clima e Sociedade”.

Roger Pielke, um importante especialista neste campo, escreveu em seu blog: “As alegações não eram apenas erradas. Elas eram baseadas em conhecimento que simplesmente não existia”.

Calculando o risco
Os representantes do setor de seguros têm um ponto de vista completamente diferente, o que representa um problema adicional para o IPCC. Resseguradoras, como a Munich Re, calculam seus seguros com base no risco, de forma que um aumento da frequência e severidade dos desastres naturais pode se transformar em lucros adicionais quando novas apólices são fechadas.

“Nós vemos, em nossos bancos de dados, evidência significativa de correlação entre a mudança climática e um aumento nos desastres naturais”, diz Ernst Rauch, diretor do “Centro Corporativo do Clima” da seguradora alemã Munich Re. Diferente dos cientistas, ele acrescenta, o setor de seguros não pode aguardar até todas as dúvidas serem superadas. “Nós somos um negócio que precisa agir agora”, diz Rauch. Ele também aponta que sua empresa está “extremamente satisfeita” com as conclusões do relatório do IPCC. Isso não causa surpresa: uma publicação de 2005 da Munich Re serviu como uma das fontes para as previsões de alerta do IPCC.

Os climatólogos agora estão pedindo reformas. Pielke, por exemplo, está preocupado com a forma como os autores e pares revisores trabalham, como são nomeados pelo IPCC e como a literatura que não passa por revistas científicas com revisão por pares está sendo usada, como no caso das geleiras do Himalaia.

Um dos problemas é que trabalhar para o IPCC é uma tarefa honorária para os cientistas e que consome tempo. “Isso significa que nem sempre são as melhores pessoas do campo que estão dispostas a contribuir com seu tempo e esforço”, diz Reiter, o epidemiologista.

Por outro lado, a comunidade às vezes reluta em incluir críticos problemáticos em seus esforços. Por exemplo, quando o IPCC montou recentemente um grupo especial de trabalho para tratar de desastres naturais, o governo americano indicou o ecologista Pielke. O IPCC se recusou a nomeá-lo.
Tradução: George El Khouri Andolfato

Pompeia, cidade (arqueológica) sem lei.



EL PAÍS:

Miguel Mora

A Proteção Civil, órgão dirigido pelo secretário de Estado Bertolaso, que depende de Berlusconi, tem todo o poder nas famosas ruínas. O Fórum Romano, a Galeria dos Uffizi em Florença e a Pinacoteca de Brera em Milão estão sob comissários nomeados por Berlusconi.



Pompeia, a cidade romana sepultada pelas cinzas do Vesúvio, Patrimônio da Humanidade protegido pela Unesco desde 1997, continua sofrendo, dois mil anos depois, o abandono e a imperícia das autoridades. Sob o assédio da Camorra, que interfere no sítio arqueológico e edifica onde bem entende, a gestão de Pompeia foi entregue no verão passado pelo governo a um comissário extraordinário, um diretor da todo-poderosa Proteção Civil, dotado de atribuições especiais.

* 18.07.2008 - Reuters

Turistas visitam a cidade história de Pompeia, Patrimônio da Humanidade protegido pela Unesco

Justificada como a solução para a "grave degradação" e o "estado de risco" que ameaça a área, a gestão do comissário Marcello Fiori primou pela espetacularidade e a superficialidade, mais que a qualidade e a segurança, segundo especialistas e trabalhadores em campo. "Pompeia, com 2,5 milhões de visitantes e 20 milhões de euros de receitas por ano, é administrada hoje com um estilo espetacular e populista incompatível com o tempo, quase sempre lento e ingrato, da arqueologia", resume um funcionário do sítio que pede para manter o anonimato.

O sintoma mais claro é que entre os 600 trabalhadores de Pompeia reina a "omertà" (lei do silêncio da máfia). Só os sindicalistas falam, de fora, com nome e sobrenome. O resto não revela sua identidade por temor às represálias. Um incidente misterioso, quase transformado em assunto de Estado pela direção, que, segundo os trabalhadores, tentou minimizar danos muito graves, fez eclodir no sítio arqueológico uma tensão latente há meses. No dia 14, uma obra implementada a toda pressa em turnos de sete dias, segundo os sindicatos, para dar brilho à iminente visita ao local de um político (não está claro se o presidente Giorgio Napolitano ou o primeiro-ministro Silvio Berlusconi), causou a derrubada de dois muros, um de 30 metros e outro de 20, duas paredes de casas antigas, segundo algumas fontes decoradas com afrescos, vieram abaixo.

O sindicalista Gianfranco Cerasoli, da UIL, explica que a obra foi decidida pelo comissário Fiori e afetava a zona da Via de La Abundancia, onde se encontram a Casa dos castos amantes - descoberta em 1987 e fechada com andaimes desde então -e a Casa de Polibio. "Colocaram um guindaste muito grande sobre uma terraplenagem frágil, e com a chuva o guindaste caiu sobre o muro que cerca a ilha da Casa dos castos amantes; este por sua vez derrubou uma parede contígua", explica Cerasoli. O comissário Fiori negou que os prejuízos tenham sido graves, desmentiu que tivessem sido causados por um guindaste e os atribuiu às fortes chuvas. Seguindo milimetricamente a linha oficial, Fiori preferiu anunciar que "em fevereiro será possível ver a escavação da Casa dos castos amantes através de um plástico transparente e um sistema de câmeras de televisão". O diretor da escavação de Pompeia, o arqueólogo Antonio Varone, acusou os sindicatos de alarmismo e minimizou o percalço, limitando-o a um "pequeno escorrimento de terras".

Mas a denúncia parte da prestigiosa associação privada Italia Nostra, que cuida do patrimônio cultural. A Italia Nostra fala de "omertà" e de "distorções" na gestão e exigiu "transparência imediata". Uma funcionária do parque dá sua versão enquanto se afasta do escritório para falar sem ser ouvida. "Temos medo, o clima aqui é de intimidação. Não sabemos sequer que danos reais houve, porque a ordem é não falar e nem sequer deixaram os técnicos entrar para tirar fotos."

Os sindicatos explicam que as obras em curso custarão 33 milhões de euros e que no dia 20 o comissário aprovou uma verba de 200 mil euros para reparar os danos. Além disso, indicam que 12 dias depois do incidente não se havia mandado o relatório regulamentar ao diretor-geral do ministério, Stefano De Caro.

Segundo Bagio De Felice, do sindicato CGIL, "a atuação de Fiori e a falta de reação do ministério dirigido por Sandro Bondi revelam que o Estado desistiu de cuidar do patrimônio de Pompeia e Nápoles e confirma o fracasso da política cultural".

"Nesse deserto faz carreira a suposta eficácia da Proteção Civil, que usa os mesmos métodos em Pompeia que em l'Aquila (a localidade atingida por um terremoto na região dos Abrúzios). Entre nós circula esta piada: 'Vocês chegaram 2 mil anos atrasados à erupção, agora não precisam ter pressa'."

Fiori é um homem versátil e de comprovada capacidade de trabalho. Mas os técnicos duvidam que seja o homem de que Pompeia precisa. "É um lugar muito delicado, não se podem fazer obras como se fosse uma rodovia", salienta Pietro Giovanni Guzzo, responsável estatal pelo sítio de 1994 a 2009. O arqueólogo salienta que "em Pompeia o mais importante é combater a infiltração da Camorra, que constrói residências ilegais onde quer e controla os negócios na região". Segundo o jornal "L'Unità", que revelou o incidente, um comerciante da área, Nicola Mercurio, se transformou no "braço-direito de Fiori". Em junho de 2009 a polícia de Nápoles descobriu um túnel secreto de 30 metros cheio de objetos roubados, que ia da escavação até uma residência próxima.

A Proteção Civil, órgão dirigido pelo secretário de Estado Bertolaso, que depende diretamente da presidência do governo, tem todo o poder em Pompeia. O Fórum Romano, a Galeria dos Uffizi em Florença e a Pinacoteca de Brera em Milão estão sob comissários nomeados por Berlusconi e Bondi. Muitos italianos veem Bertolaso como uma espécie de vice-rei. Tem influência com Berlusconi, manipula volumes crescentes de dinheiro e gera tanta admiração quanto receio. Talvez por isso, quando a parede romana caiu entre as 9 e as 10 da manhã do dia 13, ninguém teve a coragem de denunciá-lo. Entretanto, o guindaste foi retirado da região e o artigo 117 da Constituição, que confere ao Estado a competência exclusiva pela tutela do patrimônio, parece ter ficado em suspenso.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Humor

MACONHA: DROGA NA GESTAÇÃO LEVA A BEBÊ PEQUENO

Folha:
Fumar maconha durante a gravidez pode prejudicar o desenvolvimento e o crescimento do feto, elevando o risco de problemas cognitivos e comportamentais na infância. Pesquisadores holandeses seguiram mais de 7.000 gestantes e observaram que os bebês das que admitiram o uso da droga tinham mais risco de nascer pequenos e com cabeça menor.

Pioneiro digital critica a mentalidade da turba que domina a internet

John Tierney
Um "pensamento de colmeia" na cultura da internet Quando a sabedoria das multidões começa a dar lugar à mesquinharia das turbas?
Nos anos 90, Jaron Lanier foi um dos pioneiros digitais a saudar as possibilidades maravilhosas que virariam realidade a partir do momento em que a internet permitisse que músicos, artistas, cientistas e engenheiros em todo o mundo compartilhassem seu trabalho. Agora, como muitos de nós, ele está repensando sua posição.
Músico e cientista de vanguarda da computação -foi ele quem popularizou o termo "realidade virtual"-, Lanier se pergunta se a estrutura e ideologia da web não estariam fomentando dinâmicas de grupo maldosas e colaborações medíocres. Seu novo livro, "You Are Not a Gadget" (Você não é um gadget), é um manifesto contra o "pensamento de colmeia" e o "maoísmo digital", termos que emprega para indicar a glorificação dos softwares de fonte aberta, das informações gratuitas e do trabalho coletivo, às expensas da criatividade individual.
Ele atribui à tradição de "anonimato de passagem" da internet o incentivo a comportamentos coletivos nocivos em blogs, fóruns e redes sociais. Lanier reconhece os exemplos de colaboração generosa, como o caso da Wikipedia, mas argumenta que os mantras "cultura aberta" e "a informação quer ser livre" geraram um novo e destrutivo contrato social.
"A ideia fundamental desse contrato", escreve, "é que escritores, jornalistas, músicos e artistas são incentivados a tratar os frutos de seus intelectos como fragmentos a serem entregues gratuitamente à mente colmeia. A reciprocidade assume a forma de autopromoção. A cultura deve tornar-se precisamente nada além de publicidade".
Stan Liebowitz, professor da Universidade do Texas em Dallas, disse que o problema atual da web tem menos a ver com monopólios e desenho de softwares que com pirataria intelectual.
Quando o Napster e outros sites de partilha de música ganharam popularidade, Liebowitz previu, corretamente, que a indústria musical seria prejudicada, porque ficou barato fazer e distribuir cópias.
Hoje ele vê dano semelhante sendo feito a outros setores, como o das publicações e o da TV.
"Uma pessoa inteligente sente-se culpada por descarregar música sem pagar ao músico, mas usa essa ideologia de cultura aberta gratuita para acobertar sua culpa", disse-me Lanier. No livro, ele contesta a afirmação de que não faz mal copiar um arquivo digital de música porque você não danificou o arquivo original.
Lanier propõe que se repense a ideologia da web, revendo sua estrutura de software e introduzindo inovações como um sistema universal de micropagamentos.
Liebowitz sugere uma reforma mais tradicional do ciberespaço: impor penalidades aos ladrões. A grande diferença entre a pirataria na internet e um furto em uma casa, diz ele, é que as penalidades impostas pela pirataria são leves e raramente aplicadas. Ele prevê que as pessoas continuem a furtar (e a racionalizar seus furtos) enquanto os benefícios da pirataria excederem seus custos.
Teoricamente, autoridades poderiam endurecer as penalidades, mas há muito mais consumidores de conteúdo digital que produtores desse conteúdo. E, quando a maioria se sente no direito de tomar posse da propriedade de outros, quem é capaz de se opor a ela?

Drogas na China: tratamento.

China pune com rigor o uso de drogas

Detentos têm vida de trabalhos forçados e abusos físicos


Por ANDREW JACOBS
PEQUIM - Emocionalmente exausta após cuidar de sua mãe doente, Fu Lixin sentiu que precisava de uma pequena injeção de ânimo. Uma amiga lhe ofereceu um "cigarro especial", acrescido de metanfetamina, e Fu deu algumas tragadas, feliz.
No dia seguinte, três policiais apareceram em sua casa. "Tive de urinar em uma xícara", ela contou. "Minha amiga tinha sido presa e me delatara. Era um exame de drogas. Fui reprovada no ato."
Apesar de ter dito aos policiais que tinha sido a primeira vez que fumara metanfetamina, Fu, 41, foi enviada de imediato a um dos centros chineses de reabilitação forçada para dependentes de drogas. A estadia mínima nesses lugares é dois anos, e, segundo ex-detentos e profissionais do setor, a vida dos que ali ficam é uma provação implacável feita de abusos físicos e trabalhos forçados, sem qualquer tratamento contra a dependência de drogas. "Foi um inferno do qual ainda estou tentando me recuperar", disse Fu.
Segundo a ONU, há até meio milhão de cidadãos chineses mantidos à força nesses centros. As detenções são decididas pela polícia, sem julgamento, juiz ou possibilidade de apelação. Criados em 2008 como parte de um esforço reformista para fazer frente ao problema crescente das drogas, os centros, segundo advogados e especialistas no combate às drogas, viraram, na prática, colônias penais cujos detentos são enviados para fábricas e fazendas, recebem alimentação ruim e têm negado o acesso a atendimento médico, mesmo o mais básico.
"Dizem que são centros de desintoxicação, mas todo o mundo sabe que uma desintoxicação leva dias, não dois anos", disse Joseph Amon, epidemiologista da ONG Human Rights Watch. "O conceito fundamental é inumano e falho."
A ONG divulgou recentemente um relatório sobre o sistema de reabilitação de dependentes de drogas, que tomou o lugar da abordagem anterior do Partido Comunista de enviar os dependentes a campos de trabalhos forçados, onde trabalhavam ao lado de ladrões, prostitutas e dissidentes políticos. Intitulado "As trevas não têm limites", o relatório pede que o governo feche os centros.
A lei antidrogas chinesa de 2008 prevê que os usuários de drogas sejam internados em centros de desintoxicação com funcionários profissionais e transferidos a centros de reabilitação comunitários.
Mas Wang Xiaoguang, vice-diretor da Daytop, clínica residencial para drogadictos na Província de Yunnan e ligada aos EUA, disse que os centros do governo não passam de empreendimentos comerciais administrados pela polícia.
Han Wei, 38, viciado em processo de recuperação que foi libertado de um centro de detenção em Pequim em outubro, disse que os guardas usavam bastões elétricos contra os detentos recalcitrantes.
Apesar das agruras do centro, Han, ex-empresário, disse que sua sentença de dois anos alcançou o objetivo desejado: persuadi-lo a abrir mão de um hábito que adquiriu em 1998. "Nunca vou usar heroína de novo", disse.
Para Zhang Wenjun, diretor da Guiding Star, organização de assistência a dependentes, tal determinação costuma ser passageira. Pelo menos 98% dos que deixam o sistema de centros de detenção antidrogas apresentam recaídas em poucos anos, disse. "O governo não entende que essa é uma doença que requer tratamento, não castigo."
Ele explicou que, de algumas maneiras, o estigma da dependência tem efeito tão paralisante quanto a atração da próxima dose. As pessoas detidas por delitos ligados às drogas recebem o carimbo de dependentes em seus documentos de identidade, o que praticamente inviabiliza a procura por empregos ou os benefícios previdenciários.
E, como a polícia é notificada a cada vez que ex-detentos se hospedam em hotéis, viajar frequentemente envolve humilhações e a obrigação de fazer exames de urina. "Na China, ser viciado é ser inimigo do governo", disse Zhang.

Humanos aniquilaram animais gigantes da Oceania

folha:

Humanos aniquilaram animais gigantes da Oceania, diz estudo

Megafauna só conviveu com homens por 5.000 anos, indica nova datação

RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um novo estudo reforça a teoria de que a convivência com os humanos acabou aniquilando a fauna de animais gigantes que habitou a Austrália -a chamada megafauna, com répteis, aves e marsupiais pesando até 2.000 kg. Usando uma nova técnica de datação de ossos, cientistas mostraram que esses bichos se extinguiram 40 mil anos atrás, cerca de cinco milênios depois de o Homo sapiens chegar à Oceania.
O estudo, publicado sexta-feira na revista "Science" deve ter impacto significativo no debate acadêmico sobre a questão. Cientistas que relutam em culpar humanos pelo evento ainda tentam provar que a megafauna entrou em extinção pressionada por mudanças climáticas ocorridas na época.
Os grupos teóricos rivais concordam que a megafauna não sumiu de uma só vez. Aconteceu aos poucos, em datas diferentes em cada parte da Oceania. Richard Roberts, da Universidade de Wollongong (Austrália), coautor do estudo na "Science", diz que os bichos sempre sumiam após aborígenes chegarem a uma nova área.
"Os últimos animais sobreviventes estavam na Tasmânia", afirmou. "Isso aconteceu porque aquele lugar só foi ocupado pelas pessoas depois, quando uma ponte de terra conectou a ilha à Austrália, e as pessoas puderam atravessar."
Mauro Galetti, biólogo da Unesp, lembra que animais gigantes são realmente uma tentação para caçadores. "É uma fartura de alimento gigantesca", diz. Ele explica que essas espécies são particularmente vulneráveis à caça, porque se reproduzem muito devagar. "Bicho grande é impossível de caçar de maneira sustentável."
O que Roberts oferece em seu último estudo, em resumo, é uma interpretação nova para dados sobre o sítio paleontológico de Cuddie Springs, onde fósseis da megafauna foram encontrados nas mesmas camadas sedimentares que artefatos de pedra feitos por humanos. Isso havia levado outros cientistas a acreditarem que os animais sobreviveram desde os aborígenes dominarem a Oceania, há cerca de 45 mil anos, até um período 30 mil anos atrás.
A datação extraída diretamente dos ossos dos animais, porém, concluiu que sua idade é de 40 mil anos. Segundo Roberts, camadas geológicas se misturaram depois, possivelmente devido a enchentes. Sua configuração em Cuddie Springs, portanto, não reflete bem a sequência de eventos.
Arqueólogos como Judith Field, da Universidade de Sydney, contudo, discordam. "Esses estudos [do grupo de Roberts] deixam de lado tudo o que sabemos sobre o sítio e ignoram evidências que contradizem suas conclusões", diz, sinalizando que o debate sobre a questão não está encerrado.

Operação Condor

Folha de São Paulo:

Escavações revelam detalhes da repressão na Operação Condor

Antiga fazenda na fronteira com a Argentina foi um centro de detenção clandestino para opositores de ditaduras nos anos 70

Local passou a ser usado em 1976 para que suspeitos de atuar em grupos de esquerda pudessem ser interrogados, torturados e executados

ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A URUGUAIANA (RS)

Novas escavações em uma fazenda na fronteira entre Brasil e Argentina trouxeram à tona detalhes das atividades da repressão no fim dos anos 70 na chamada Operação Condor -ação das ditaduras militares dos países da América do Sul.
A Estância La Polaca, a 15 km de Paso de Los Libres (Argentina) e às margens do rio Uruguai, foi um centro de detenção clandestino para onde eram levados opositores das ditaduras. Em dezembro, a Justiça argentina determinou nova busca de corpos no local. Acredita-se que lá possam estar enterrados militantes de esquerda.
Antiga fazenda de gado, La Polaca é um local sem moradores. Sua existência como centro de detenção foi confirmada em 2005, pelo depoimento de um ex-agente de inteligência do Exército argentino, Carlos Waern. O local começou a ser usado em 1976. Para lá eram levadas pessoas suspeitas de pertencer a grupos de resistência que passavam por Uruguaiana -fronteira binacional- para ir a Brasil, Argentina e Uruguai.
Segundo a pesquisadora Sabrina Steinke, da PUC-RS, de 1976 a 1978 várias fazendas foram tomadas por empréstimo na Argentina. Serviam de prisão onde os detidos eram interrogados, torturados e executados. "A prisão clandestina de estrangeiros na Argentina mostra que esses centros não serviam apenas ao governo argentino, mas sua manutenção estava relacionada à Condor."
La Polaca surgiu na contraofensiva da ditadura argentina para deter montoneros, grupo de origem peronista que tentou fazer um levante contra o regime no país no final dos anos 70. Ao menos dois deles foram detidos pela Argentina em Uruguaiana -procedimento ilegal que a Condor tornou rotineiro.
A partir de 1978, a Argentina passou a usar os presos, depois de torturados, como "marcadores". Tornavam-se informantes da repressão e, levados à ponte onde fica a fronteira de Libres e Uruguaiana, delatavam companheiros da esquerda que tentavam cruzar de ônibus.
Lorenzo Ismael Viñas e Jorge Oscar Adur, detidos em Uruguaiana em 26 de junho de 1980, teriam sido identificados por marcadores. O desaparecimento dos dois em solo brasileiro, reconhecido pelo Brasil, é investigado pela Procuradoria da República de Uruguaiana, que pretende denunciar os responsáveis criminalmente.
Segundo depoimentos, Adur teria passado por La Polaca.

Copa
La Polaca e os outros centros podem ter sido usados para esconder do mundo a repressão no país durante a Copa de 1978. Com o campeonato, foi necessário tirar presos ou sessões de interrogação de Buenos Aires.
Em documento obtido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre, a polícia argentina pede ajuda ao Brasil para "localizar e deter montoneros" que eram uma ameaça para a "tranquilidade" da Copa do Mundo. "A busca dessas pessoas, consideradas inimigas do governo, era feita em conjunto e sistematicamente", afirma Jair Krischke, presidente do movimento.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O projeto SETI

Folha de São Paulo

Marcelo Gleiser

Espelho extraterrestre
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Aos 50 anos, o programa Seti continua ativo e dividindo opiniões
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Em 1960, o rádio-astrônomo americano Frank Drake organizou uma conferência meio às pressas, com um tema um tanto incomum: a possibilidade de detectar a existência de civilizações extraterrestres sem irmos até o planeta deles (ou eles até o nosso). Um ano antes, havia começado o programa Seti (Busca por Inteligência Extraterrestre, sigla em inglês), com o uso de telescópios capazes de detectar ondas de rádio emitidas, em princípio, por outros seres interessados em comunicação.
A ideia do projeto era simples: se outras civilizações inteligentes são parecidas conosco, terão, também, criado tecnologias como o rádio e a TV, que dependem da emissão e da recepção de ondas eletromagnéticas. Essas ondas viajam na velocidade da luz, a 300 mil quilômetros por segundo. Portanto, em oito minutos, uma onda viaja da Terra até o Sol, pois a distância do Sol à Terra é de oito minutos-luz. Em quatro anos e meio, a onda chega à nossa estrela vizinha, Alfa Centauri, pois ela se localiza a 4,5 anos-luz daqui. Se nós, após apenas 400 anos de ciência, podemos fazer isso, sem dúvida outras inteligências espalhadas pelo cosmo também devem ser capazes de fazê-lo. Era só ligar os detectores e ficar ouvindo, esperando pelo primeiro "alô".
Passados 50 anos, o projeto Seti continua ativo. Sua história tem sido meio turbulenta, dividindo as opiniões de cientistas e do público em geral. Existem aqueles que acham que o projeto é uma grande perda de tempo e de dinheiro. Como interpretar sinais de vida inteligente extraterrestre? Que "língua" eles falam? E se não tiverem o menor interesse em serem detectados ou de emitir ondas de rádio fora do seu sistema solar? Qual seria o sinal típico que poderíamos esperar de outras formas de inteligência? Será que todas inteligências pensam de forma semelhante?
Fora isso, não é nada óbvio, dizem os críticos, que exista vida extraterrestre inteligente em nossa vizinhança cósmica, e muito menos com habilidades tecnológicas. Afinal, em 4,5 bilhões de anos desde a origem da Terra, só nos últimos cem é que chegamos a esse ponto! Existem outras críticas, mas essas já dão uma ideia.
Por outro lado, os defensores do projeto dizem que só podemos ter certeza de que a busca será infrutífera se tentarmos: quem não arrisca não petisca. O impacto da descoberta de vida extraterrestre inteligente (ou da vida não inteligente, mas essa é uma outra história) seria tão épico e transformador que os esforços valem à pena. O apelo popular é imenso. Tanto assim que, em 2007, a Nasa resolveu reiniciar o fomento ao projeto Seti, que havia sido suspenso na década de 1990. E o projeto tem crescido, graças ao entusiasmo de investidores privados. Por exemplo, Paul Allen, cofundador da Microsoft, doou US$ 25 milhões ao projeto.
Com o dinheiro, cientistas estão construindo uma gigantesca rede de detecção de ondas de rádio nas montanhas da Califórnia que terá 42 telescópios quando concluída, cada um com uma antena parabólica de sete metros de diâmetro. A busca está se diferenciando. Não são mais só ondas de rádio: astrônomos também procuram detectar pulsos de laser emitidos de outros sistemas estelares ou por projetos de engenharia em megaescala, algo que uma civilização avançada poderia fazer.
Por exemplo, extraterrestres com telescópios ultrassensíveis poderiam ver a muralha da China ou as luzes na superfície da Terra. Até mesmo lixo espacial está entrando na lista. O que prova um ponto interessante: vamos buscar nos ETs o que encontramos aqui. Nossa busca é limitada pelo que sabemos. Fico imaginado o que esses ETs estarão fazendo em cem anos.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo".

Começo.

Começo